O livro Monkey S/A: num mundo corporativo tão tão distante mistura fantasia, humor e sátira a certos temas corporativos. E dentre as muitas fontes criativas da cultura POP das quais eu bebo para bolar as histórias, personagens e narrativas, os filmes fantásticos mais antigos são sempre uma fonte ímpar de inspiração, como as sagas de Sinbad. Os filmes do marinheiro datam da década de cinquenta, e contam as aventuras desse espirituoso e indomável capitão pelas águas orientais enfrentando desafios repletos de batalhas e magia. Um clássico. E para mim, de todos os seus filmes, com personagens e criaturas incríveis, uma delas sempre será memorável: o Minoton.
Minoton aparece no filme “Sinbad e o Olho do Tigre”, de 77. O ser era um golem de bronze (?) na forma de um minotauro e servia a feiticeira Zenobia, antagonista do marujo. Ele era um constructo, um guerreiro imbatível, o guarda costas da feiticeira e exímio navegante. Como um golem, Minoton obedecia cegamente a sua senhora, e, praticamente, autodestruiu-se ao cumprir a ordem de fornecer uma passagem para sua mestra deixando um bloco de toneladas esmagá-lo. E lá se foi Minoton, destruído estupidamente cumprindo ordens sem questionar. Um dos melhores personagens míticos de todos os tempos e que vive agora no imaginário pop fantástico dos ex-nerds de meia idade como eu. Mais sobre mim e o que referenciou o livro você encontra clicando aqui.
O mundo corporativo fictício de Monkey S/A está repleto de personagens Minotons, seguidores de ordens e mecânicos em suas ações e ideias. Faz parte do conceito da narrativa do livro este tipo de postura além de outras piores entre os personagens principais ou coadjuvantes que povoam meus escritos. E de boa, me pergunto o quanto as empresas reais também não são alicerçadas neste perfil de “colaboradores”.
Sinbad e Minoton são duas representações antagônicas. Sinbad: liberdade, dinamismo e incerteza. Minoton: previsibilidade, obediência e foco. No mundo real, as qualidades do primeiro fazem muito sucesso no imaginário coletivo. Já, no mundo corporativo, na prática e de uma forma em geral, nada de marujada descolada, temos muito é de “o capitão mandou, o marujo sim senhor!” Afinal, você é pago para fazer o ordenado e não para ter ideias criativonas.
A gente sabe da importância, nestes dias de hiperconcorrência, de que as empresas tenham em seus quadros, profissionais inovadores, questionadores, com (aff) mentalidade de dono, etc, blá, blá, blá e todo aquele combo que soa bonito aos ouvidos. Tá, você vai dizer que os dois são necessários e importantes, mas essa é a resposta padrão de roteiro do SAC. Ok, vai depender do perfil, segmento do negócio, cargo, tipo de gestão imperante, perfil DISC desejado, horóscopo etc. Mas pelo que já vivi e escuto por aí, esse tema engrossa a fileira dos muitos outros que caem no limbo obscuro entre o discurso e a prática corporativa, principalmente ao considerarmos a dificuldade em se estabelecer uma cultura interna que estimule a participação ativa na inovação da empresa em todos os níveis e de processos ou metodologia efetivas de extração deste capital intelectual em prol do negócio.
Minoton é controle. Sinbad é autonomia. Mais uma colisão, pessoal. Existem vários estudos sobre os benefícios da autonomia para as as equipes e para os profissionais, o que não significa oba oba ou bagunça, falo de autonomia alinhada aqui. Mas, o gostinho do controle não pode ser menosprezado. Comando e controle tão aí desde que o mundo é mundo. Abrir mão do controle em nível particular é complicado, imagine no corporativo. Delegar mexe com estruturas internas de poder arraigadas profundamente na hierarquia da empresa e no ego dos que “abrem mão”. Corre na boca miúda que muitas das empresas que experimentaram o trabalho remoto e agora querem voltar ao presencial, como era antes, apesar dos resultados positivos obtidos com o novo modelo, se deve ao bom e velho controle.
Mas aí é que tá. Me parece que a rapaziada vai ter que abrir mão um pouco disso. Não por estarem a frente de seu tempo, serem modernosas ou da nova velha economia. Mas porque o mundo tá numa velocidade que a gente não tem tempo nem de raciocinar direito. São tantos acontecimentos ao mesmo tempo o tempo todo e em todo lugar que a nossa capacidade de pensar e agir não para um só instante. O perfil que as empresas querem nas suas fileiras é do/da camarada que se comunique bem, analise as situações, saiba usar as tecnologias, role uma certa psicologia positiva, aprenda rápido e fácil, tenha uma inteligência emocional (aguente o tranco seja qual for). E por que elas pedem isso? Porque o rolo compressor do cenário de negócios diz: “vai lá campeão, é só você e você mesmo pra trazer o resultado de três.” Máximo resultado com o menor custo. Sad, but true, como diria o Metallica.
E aí que aos poucos, a liberdade e a descentralização de pensar e agir, a independência em tomar decisões e de assumir riscos passa a fazer diferença. Num cenário maluco desse, o tal do mundo VUCA/BANI, quem não confere certa autonomia de ação para seus times perde o bonde dos acontecimentos. Ponto. Não dá pra controlar o caos, além de uma perda de tempo, é custoso. É complicado conduzir as coisas com uma estrutura muito rígida e não maleável, de difícil adaptação ao ambiente externo da empresa. Então, querendo ou não, por imposição do mercado, caso a empresa não queira comer poeira, vai ter que dar mais carta branca aos Sinbads a bordo, seja lá qual for sua estrutura/processo/framework, a velocidade e assertividade das escolhas comerciais da empresa, baseada no retorno desta estratégia interna mais ágil, farão toda diferença.
Pode ser o início da extinção dos colaboradores “mentalmente apertadores de botões”, que, diferente do icônico Minoton do filme, podem nem deixar saudades, quiçá vestígios, neste frenético desenrolar do meio corporativo, principalmente agora com a I.A. escancarando a porta sem pedir licença. Quem estiver empregado, verá.
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