LIFELONG LEARNING

O cansaço do aprendizado constante.

Todo discurso corporativo floreado possui um vestígio de origem em alguma planilha financeira. Follow the money e você vai encontrar a raiz do respectivo ditame. Com a “nova realidade” do aprendizado constante não é diferente.

Se você não esta familiarizado com o tema, deixo aqui uma descrição do site da HSM sobre o, como é conhecido, Lifelong Learning: (grifos meus)

Na prática, o lifelong learning pressupõe que nunca é cedo ou tarde demais para aprender algo novo – e, no que diz respeito ao mercado, essa mentalidade está alinhada às demandas corporativas. Um profissional que entende que educação é fundamental para o desenvolvimento profissional e que, por isso, investe em qualificação de qualidade, certamente tem mais propriedade para lidar com a complexidade empresarial. Diante disso, fica fácil perceber que o lifelong learning vai muito além da graduação. A aprendizagem precisa ser encarada como um processo sem fim: nenhum diploma, por mais requisitado que seja, pode encerrar a sua jornada de desenvolvimento. Não seria nenhum exagero dizer que o mindset do lifelong learning desponta, também, como um valioso diferencial competitivo. Na carreira, assim como no mercado, ganha quem consegue entregar o melhor resultado – e só quem não deixa de aprender é capaz de manter a qualidade do trabalho ao longo dos anos.

HSM

Mais que uma tendência, hoje esta prática já pode ser considerada uma realidade. Caso queria entender em números, recomendo esta pesquisa do Pew Research Center. O Lifelong Learning possui toda uma estrutura e metodologia quanto a obtenção do conhecimento profissional. Parte do princípio de que nossa formação em décadas passadas tinha um limite, imposto pela educação forma, e que depois disso, como num passe de mágica, deixávamos de aprender. esta própria educação formal também nos limitava devido a sua prática engessada ao longo do processo de aprendizado. Hoje,tal modelo não dá conta para entendermos o mundo. Para isso, somente um processo estruturado e contínuo de busca de conhecimnto, novas competências e habilidades, pode nos preparar para a caótica realidade moderna.

De modo simples, o Aprendizado Contínuo pregoniza o que muitos sábios que estruturam a filosofia ocidental como ET o Bilu (“busquem conhecimento, estudem geografia”), Aristóteles (“O conhecimento é o caminho para a excelência.”) e Platão (“O conhecimento é o alimento da alma”) em relação a procura e contínua evolução através do conhecimento. Só que, como frisado nos irritantes grifos acima, o escopo do novo must se dá em relação aos saberes corporativos necessários para lidarmos com o volume diário de informações jorradas num mar de incertezas ao qual adentramos cada vez mais longe.

Até a hora que não dá mais pé no fundo…

Na briga entre o mar e o rochedo, quem se estrupia é o marisco.

De um lado, as empresas fazendo o MAIS por MENOS. Mais trabalho, mais empenho, mais dedicação, mais engajamento, mais propósito, mais energia vital, mais lucro pelo menor custo possível.

Do outro, temos o mundão cada vez mais traquinas com a gente, nos socando com inovações, novidades, apreensões, demandas, mudanças e o escambau, tudo em velocidade exponencial e pra ontem. E, como bons animais na selva de pedra que “fizeram a opção” pelo indefectível sistema produtivo vigente, vamos batendo cabeça para sobreviver e não entrarmos em extinção, torrando nossos miolos, tempo e recursos nesta peleja sem fim.

O Lifelong Learning lança os funcionários num looping infinito de aprendizado profissional para que as empresas possam responder, antecipar e planejar suas ações em relação aos admiráveis novos mundos no horizonte. É mais um ok, check a ser feito da interminável listagem de novas responsabilidades de desenvolvimento laborais que temos que dar conta agora, nos adaptarmos para não sermos engolidos pelo agressivo darwinismo do mercado de trabalho corporativo.

E não temos lá muita opção mesmo. Aliás, nenhuma. É isto ou canta pra subir. Não dá conta, 06? Então dá a vaga que tem um onte de gente querendo jogar. É assim que o mundo funciona, baby. Agora, temos que processar de forma rápida e consistente, um volume informacional maior e mais complexo, encurtando, ao máximo, o tempo para o uso prático do resultado final deste processo no dia a dia da empresa, comos se fôssemos verdadeiros computadores humanos.

Mas o pouco tempo que falta para nos tornarmos ciborgues nem é o mérito da questão. Mas sim, a do martelo de Sauron sempre bater mais forte na cabeça sem elmo do funcionário na maioria das vezes. Neste caso do investimento de tempo, esforço, desgaste físico e emocional, das renúncias sociais e de outras opções de conteúdo frente as demandas de conhecimento técnico e profissional a serem apreendidos e initerruptamente, ser uma responsabilidade, ou ao menos ser socado goela abaixo com a respectiva e analgésica narrativa de que de fato é, cabendo a empresa o tão somente apoio moral com direito a tapinha nas costas e “vai lá campeão, você consegue!

Como se toda este frenesi do funcionário não fosse igualmente vital a sobrevivência da corporações.

Educação, treinamento, aprendizado organizacional e toda a sua logística formal custa caro. E o “pior”, o impacto e as benesses destes investimentos não são facilmente medidos. Demonstrar o retorno deste investimento de forma convincente, dependendo da sua audiência (quem banca) pode ser bem complicado. É área complexa, por isso encabeça também, um daqueles temas que, tradicionalmente por aqui, adora-se pautar como investimento, mas que, na prática, é um doloroso custo necessário.

Um relatório da Integração Escola de Negócios e da Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento (ABTD) revelou que as empresas do mercado brasileiro investem, anualmente, apenas 2,3% da folha de paamento em treinamento e desenvolvimento.

Uma lágrima escorreu do canto esquerdo, agora. Em nove anos, duas edições do levantamento do Índice Global de Competitividade de Talentos (GTCI), cujas matérias do Valor Econômico são listadas abaixo, chegaram a conclusões sobre o tema praticamente iguais, apesar do extenso intervalo de tempo:

2015: “Mesmo com boas relações comerciais, o investimento nos profissionais ainda está muito aquém dos países que lideram o ranking”, afirma. “Os governos e as empresas devem enxergar que o fortalecimento econômico está diretamente ligado ao fator humano, ou seja, é necessário investir na evoluço dos seus trabalhadores desde a formação básica até a sua entrada no mercado de trabalho.

2023: “Embora tenha melhorado de patamar em relação ao ano passado, o país permanece “mal parado” ou estável entre o grupo dos mais atrasados em relação à formação, atração e retenção de pessoal.”

Em meio a pesquisa de dados sobre isto, uma declaração de uma executiva de treinamento ao portal TERRA quase acertou o alvo.

“A percepção é que investir em T&D é caro e demorado, como se fosse investir em uma nova graduação ou uma pós de 2 anos para o colaborador”

Quase porque não é apenas a percepção. Realmente custa caro e é demorado. O retorno não é de curto prazo e ainda por cima, incerto. As empresas ficam numa sinuca de bico. Gastar com aprendizado para se tornarem mais competitivas, ou se tornarem mais competitivas para gastarem com aprendizado interno? O que fazer? Afinal a força e sobrevivência das companhias necessita disso.

Taca-lhe Lilelong Learning no prato do povo como responsabilidade única e exclusiva do funcionário, devidamente salteado com aqueles típicos e variados discursos de prateleria sobre o quanto o colaborador tem que ir ao infinito e além para ser um profissional de excelência…

Essa parada aí. Pessoal não quer coçar o bolso, mas quer todo mundo sabendo usar IA para projetos, psicologia do consumidor, storytelling com dados, venda sob pressão, dancinha para vídeos curtos, Cobol para desktops, geopolítica após a guerra da Ucrânia, Mandarim Intermediário. Tudo pra ontem!

“Ahh, mas todo conhecimento é válido, nada se perde, conhecimento nunca é demais! O trabalhador tem que tomar as rédas de sua carreira!”

Saiamos do óbvio e da conversa rasa. Aprendi com os mais velhos e mais sábios que, tudo em demasia faz mal, TUDO, até água. Sim, como dito, é uma uma imposição mercadológica, não tem muito para onde fugir, mas também, não dá para ter uma postura não crítica e alienada sobre o tema, até por que a carga pesada de mais essa “competência” recai sobre o trabalha…, digo, colaborador e sabemos muito bem aonde isso vai dar…

Antes de virarmos ciborgues ou da IA tirar nossos empregos, continuaremos sentindo o efeito colateral dessa correria desvairada de obrigatoriedade aprender intencionalmente a todo momento. Se lembra da parada do marisco?

Cada um de nós possuiu sua própria capacidade e rapidez de aprendizagem pessoal, impactadas por critérios pessoais de interesses, pré-disposição, afinidade, facilidades com formatos, fatores sócio-econômicos e culturais que nem sempre, ou apenas de forma restrita, dão liga com as necessidades de atualização do negócio. Até aí, “tudo bem”, se não fosse um elemento crucial que faz a coisa toda dar tilt: o tempo.

Estamos sem tempo pra nada e a atenção vale ouro nos dias atuais. Eu ainda jogo toda semana State of Decay I, game de zumbis que domino por preguiça cognitiva em aprender as mecânicas de outros jogos. Quantas vezes você não se deparou no streaming escolhendo o mesmo filme após desistir de investir duas míseras horinhas para um novo envolvimento emocional/intelectual com longas novos? E o pior, quando tais barreiras são vencidas, e bate aquela bad work vibe no domingo:

Larga esse desenho e vai terminar o 56º ead da FGV!

Sentimento de culpa do trabalhador moderno em não estar produzindo

O Lifelong Learning bebe diretamente e de boca escancarada da fonte dessa nova cultura de hipervalorização do trabalho, da produtividade e da performance a todo momento. Ele tende a se misturar e consumir o nosso tempo necessário ao ócio. Só que esta conta da não existência ou do pouco acionamento de válvulas de escape desta e de outras práticas de ocupação profissional desvairada vai chegar no formato de esgotamento mental e físico. E, a partir daí, só ladeira abaixo. O céu é o limite.

Cada um de nós sabe onde o calo aperta, tem as suas prioridades e também está ciente da nova e complexa ordem corporativa mundial em que, somente com muita atualização de conhecimentos, podemos fazer frente às novas e desafiadoras demandas profissionais trazidas com ela. Isto é ponto pacífico.

O discurso corporativês mainstream é todo “limpinho, corretinho, bonitinho, cheirosinho, crível” nas revistas, murais de cortiça e intranet. Só que toda essa boa vontade, que até os lugares mais desagradáveis estão cheios, muitas vezes se espatifa quando bate de frente com a realidade do dia a dia das entregas de resultado, onde, por default, a corda sempre arrebenta para o lado do mais fraco quando as coisas degringolam. Não podemos ter uma postura costumeiramente passiva, sem racionalizar sobre os movimentos que acontecem e que envolvem a nossa vida profissional, impactando inclusive a pessoal.

O fato das companhias (no Brasil) saberem da importância da atualização constante de seus trabalhadores para que continuem competitivas e, ainda assim, designarem uma fatia muito pequena de grana para este fim diz muito sobre o quanto existe uma cultura de “acordos Caracu” entre empresas e funcionários, principalmente nas áreas cinzentas do monólogo que é a narrativa corporativa.

Sim, estude, se atualize, deixe o radar ligado para captar o que acontece no mundo e as áreas mais quentes e promissoras para impulsionar sua carreira. Mas também, não faça disto seu propósito, objetivo primário ou martírio. Senta lá, vai ver teu filme, escrever tua poesia ou zerar Battletoads depois de velha.

Deixa para aprender o PROC-V na segunda.

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