GESTÃO DO TEMPO

Tenho um amigo de trabalho muito gente boa e que possui uma vibe slow motion. Certa vez, enquanto tomávamos um café, ambos de pé, no corredor da empresa, curtindo um ócio criativo maroto durante o expediente, ele simplesmente encostou na quina da parede e começou a coçar as costas, ali, sem cerimônia. Isso durou bem uns 5 minutos. Ia sorvendo o café e aliviando o comichão tal qual um velho elefante do Quênia.

Meu amigo tinha o seu próprio tempo.

A empresa, o dela.

Mas isso não importava. O bicho podia estar pegando, mas ele continuava focado e imerso em sua serenidade laboriosa. Me parecia impossível, naquele seu passo peculiar, devagar e sempre, dar conta daquela montanha de demanda que lhe era atribuída. Mas ele dava. Organização? Disciplina? Café requentado da manhã? A Jóia do Tempo? Qual seria o enigma de sua produtividade? Bem, o fato é que, como Gandalf, o Cinzento, ele nunca se atrasava ou adiantava-se em suas tarefas, entregava seus resultados exatamente quando tinha de fazê-lo.

Claro, ele é um ponto fora da curva. Assim como em nossa vida pessoal, o tempo é algo escasso no mundo corporativo. Anualmente, soca-se goela abaixo dos mininu e das minina tudo quanto é curso de gerenciamento do tempo, organização de times, frameworks e processos para sobrepujar ou, ao menos, aproveitar o tempo disponível de forma mais eficiente. No fim, no quadro geral, todo este esforço me lembra um cachorro correndo atrás do próprio rabo, já que as tarefas não param de brotar do chão e o número de pessoas disponíveis para realizá-las some pelo mesmo buraco cada vez mais.

Abiguinho e abiguinha, não estamos prontos e nem aptos a domar o tempo. O velho Cronos sempre irá nos devorar. Não temos nem condições biológicas para esta correria desenfreada. As safenas, ansiedades, depressões e correlatos estão aí para deixar ainda mais claro. Não funciona. A conta não fecha.

Ao menos para a gente.

Mas então, o que fazer para dar conta de tudo e todos a nossa volta em 24h?

Nada. Continuar correndo, Forrest, e às vezes sentar e chorar (de preferência no banheiro) e não necessariamente nesta ordem.

Brincadeiras à parte (brincadeiras??), sabemos que no play corporativo a brincadeira é a vera e, de fato, não há muito o que fazer se você quiser continuar embalado nessa ladeira sem fim. Tudo vai depender de quais são seus objetivos e expectativas de vida funcional e pessoal. De como e por quanto tempo tu estarás disposto a vender sua energia vital (corpo e mente) a este sistema de trabalho.

Indiferente às suas escolhas, o fato é que, uma vez nas entranhas do ambiente corporativo moderno, sua disponibilidade de tempo tenderá a ser cada vez menor. O (muito) MAIS por MENOS está no DNA das empresas. Menos gente fazendo bem além do contratado é uma trend que vem forte desde sempre e não vai parar por causa do seu sorriso amarelo para sustentar o cansaço. E o tempo, esta construção artificial, é limitado e não tem multitarefismo que vá mudar isso. Pelo contrário, pode até piorar o resultado final dos seus esforços pela falta de foco, inconclusividade das tarefas e a errônea sensação de produtividade.

A tecnologia não existe para que você ganhe dinheiro. Ela é um meio. Um meio para que você economize tempo, ganhe tempo, para fazer outras coisas para ganhar dinheiro“.

Esse foi o fio da meada de todo o discurso de um executivo ao tentar me vender uma de suas soluções tecnológicas para um projeto. Respondi-lhe e emendei o soneto frisando o quanto utópica era esta declaração.

Rimos sarcasticamente, nos tornamos amigos e futuros sócios.

Em tese, a declaração não está errada. Faz todo o sentido. Porém, é um daqueles ditames que não aguentam três minutinhos de porrada com a realidade, pois o buraco é mais em baixo. Funcionaria se não usássemos este tempo adicional poupado pelo uso de ferramentas tecnológicas para enfiar goela abaixo mais tarefas, projetos, iniciativas, atividades e qualquer coisa que nos dê a “necessária” sensação social de produtividade e ocupação.

Gestão do tempo são hacks, truques, práticas que permitem gerenciar melhor o pouco tempo disponível para tocar as 567 tasks (rs) que você tem por dia na sua empresa. É tão válido quanto a dipirona para curar uma infecção. O tempo é limitado e cada vez temos mais e maiores demandas num ciclo ad eternum. Este é o quadro geral, não vai mudar e fatalmente tu irás sentir os efeitos colaterais disto no teu corpo ou na sua psique com o passar dos anos.

Sim, há como melhorar esta equação envolvendo tempo, produção, saúde física e mental. Irá depender de quanto estará disposto a abrir mão ou ceder dos frutos dessa correria ou em navegar por mares nunca antes desbravados por você. É arriscado? Sim, mas pode trazer um ganho qualitativo de tempo para a sua vida. Isto posto, duas opções de atitudes podem ajudar a amenizar o impacto desaa correria:

Pegue mais leve, diga mais não, escolha as batalhas e iniciativas que de fato são importantes para você, troque o seu emprego por outro que permita uma maior qualidade de vida e mais tempo para você jogar RPG ou fazer aquele curso de compostagem urbana.

Só cheque antes se você tem bala na agulha para isso, ou seja: poder, influência, capital, network, estrutura e/ou suporte financeiro e emocional para aguentar o tranco. Veja se pode se dar ao luxo, pois para boa parte da população isso é tão quimérico quanto o lendário ano sabático.

Tenho um casal de amigos que estão rodando o mundo desde novos. Não são pessoas abastadas ou que possuem qualquer tipo de facilidade advindas disto. Já viajaram por mais de 100 países, prestando serviços através de plataformas que providenciam trabalhos temporários para nômades digitais, além de outras formas de receita como campanhas e monetização de conteúdo. Já um segundo conhecido abandonou, após uma viagem de Reveillon, a estabilidade de um emprego público no centro-oeste do país para criar sua própria agência de turismo de um homem só, passando a viver e vender pacotes turísticos na Ilha Grande, no Rio de Janeiro.

E aí, me diz: você teria coragem para um verdadeiro plot twist deste tipo em sua vida profissional?

“Ah, eu daria a minha vida por isso…”

Pois é, eles deram.

Assim como nas empresas, o tempo tem um destaque importante nas histórias do livro Monkey S/A: num mundo corporativo tão distante. Spoiler: Se você não notou, de alguma forma cada um dos nove capítulos possui algum tipo de link entre eles. E, no capítulo 4, temos bem mais do que uma pista para elucidar o que ocorre no capítulo I e que poderá selar não apenas a história dos personagens como da própria mundo corporativo!

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