The Smiths foi uma das bandas que marcaram a minha juventude. Jhony Marr e Patrick Stephen Morrissey foram a trilha sonora dos meus momentos mais “eu ando tão down” da minha adolescência e até, muitas vezes, após adulto. Aí o tempo passou, fui adquirindo ou me aprofundando em outros estilos musicais e, ainda assim, com certeza “Os Silvas” ainda permaneceriam no meu top dez em sextas noturnas chuvosas.
Permanceriam. Caso o Morrissey não tivesse se tornado um babaca. Ou, melhor, caso sempre tivera sido um escroto racista e xenófobo.
But, what a difference does make?
Existem muitos assuntos dos quais eu ainda não tenho uma sentença conclusiva. Sou um adepto do Nãoseismo. A relação obra genial X artista imbecial é uma delas. Em miúdos:
a relação entre obras admiradas e aclamadas e seus autores com certas características negativas de personalidade, postura e caráter.
Não tenho facilidade em chegar a conclusões sobre essa dualidade. O debate entre diferenciar o autor de sua obra é vasto e ocorre em vários níveis, desde o boteco até a academia, com argumentos e posições para ambos os lados.
Entre os escritores, de pronto alguns me saltam a boca em relação a este tema: J K Howling, de Harry Potter, transfóbica; Monteiro Lobato, racista; HP Lovecraft, pai do horror cósmico e criador de Cthulhu e dos Mythos, xenófobo e racista; Hergé, as Aventuras de TinTin (em especial Tintin no Congo), racista; Asimov, assediador.
“Ainnn, o homem é fruto do seu tempo e meio”. Sim, mas não muda os fatos. A gente passa pano então?
Geralmente analiso caso a caso e de acordo com a escrotice do autor, circunstâncias, ainda consumo algum conteúdo ou largo de vez. A situação é complexa e esta longe de possuir uma régua generalizadora, até porque estamos falando do poço de bizarrices que é o ser humano, com todo o seu potencial criador maravilhoso e capacidade de superar-se em escrotidão. Trata-se de um fenômeno que ocorre em todas as manifestações culturais e ambientes: literatura, pintura, música.
E é claro que o meio corporativo não ficaria de fora.
Em março deste ano, Andrews McMeel, o distribuidor da tirinhas de Dilbert, anunciou estar rompendo relações comerciais com o autor. Isso aconteceu depois que Scott Adams, escritor, empresário e criador do famoso personagem, conclamou aos brancos a “se afastarem dos negros” durante um discurso racista em seu programa de vídeo online na semana em que rotulou os negros de “grupo de ódio”. O Washington Post, o Los Angeles Times e outros jornais de todo o país já deixaram de publicar as histórias do personagem.
Talvez o pessoal mais novo não conheça muito de Dilbert e sua trupe nos dias de hoje. Possivelmente as tirinhas contando as históricas bem humoradas do engenheiro Dilbert e sua trupe, com críticas mordazes ao ambiente corporativo não façam o mesmo sucesso lá dos anos 90 ou não tenham o mesmo alcance que o de outrora com o fim das publicações impressas, mas, ainda assim, a obra é uma marca forte no meio.
Ou era.
Dilbert foi uma das principais referências para o livro Monkey S/A e o Monkeyverso. O tipo de humor sarcástico capaz de fazer com que o povo corporativo se identifique com todas as suas mazelas, ache graça e sorrie amarelo é uma das marcas registradas das suas histórias. E aqui voltamos ao mote desta conversa:
queimo meus dois livros comprados e abandono minhas anotações e estudos sobre a obra pelo fato do autor ser um racistinha de merda?
O que tinha que ser aprendido, técnicas e insights, foi assimilado. Mas, deste ponto em diante, que o ostracismo dele se encarregue.
E de Morryssey também.