Solidão no Trabalho

Por que temer trabalhar só, já que morremos sozinhos.” RHojerizah. *

Solidão no trabalho. O instituto Gallup publicou os dados de sua pesquisa State of the Global Workplace: 2024 Report. Entre muitos dados interessantes, dos quais ainda quero trazer á baila aqui no site, o estudo da renomada empresa traz o seguinte achado:

Onde, trabalhadores totalmente remotos apresentam um maior índice de solidão, 25%, os que trabalham de forma presencial, 16%, e os híbridos, 21%. Este é um dos mais recentes estudos, porém, existem trabalhos ralizados por profissionais e instituições importantes que igualmente evidenciam o avanço exacerbado deste sentimento em qualquer meio social.

Fato: o isolamento social e a solidão crônica pode fazer muito mal, fisicamente e mentalmente. Segundo os especialistas, o risco de mortalidade para a pessoas sem socialização é duas vezes maior do que nas que cultivam relações sociais. E isto indiferente a classe social, econômica e saúde.mic status and health practices. A OMS diz que ” a solidão é capaz de aumentar em 25% o risco de morte, em 50% o de demência e 30% o de doença cardiovascular. A própria OMS criou a Comissão de Conexões Sociais para lifdar com o problema.

“a primeira iniciativa global para combater a epidemia da solidão que ajudará a estabelecer a conexão social como uma prioridade de saúde global e a partilhar as intervenções mais promissoras”

Tedros Adhanom Ghebreyesus

“As elevadas taxas de isolamento social e de solidão em todo o mundo têm consequências graves para a saúde e o bem-estar. As pessoas sem ligações sociais suficientemente fortes correm um maior risco de sofrer um acidente vascular cerebral, ansiedade, demência, depressão, suicídio e muito mais”, alertou Ghebreyesus. “Os jovens não são imunes à solidão. O isolamento social pode afetar qualquer pessoa, de qualquer idade, em qualquer lugar”

Chido Mpemba, União Africana para a Juventude.

Em qualquer lugar. Inclusive, o meio corporativo.

mal do século é a solidão. Já cantava o nosso querido trovador, cujo repertório já não aguentamos mais nas rodinhas de violão. E se você quiser dar uma abordagem holística à sentença, pode adicionar, segundo certa visão espiritualista, a indiferença nesta corrida, disputando páreo a páreo, como primas que se odeiam, este pódio.

Existem muitas definições e conceitos a respeito do que é e como a solidão se manifesta. Para não abrir muito o leque, amos nos valer do descrito pelas autoras Virginia Moreira e Víginia Callou no periódico científico “Mental”:

A solidão, em termos psicológicos, pode caracterizar-se pela ausência afetiva do outro e estar intimamente relacionada com o sentimento, com a sensação de se estar só. O outro pode até estar próximo geograficamente, mas não há aproximação psicológica; falta interação e comunicação emocional.

Agora que temos um conceito de solidão e que sabemos que ela esta se alatrando nos corações e mentes da população mundial como fogo no mato seco, vamos as vias de fato: a solidão no ambiente de trabalho.

Passamos boa parte do nosso tempo dedicando nossa energia e tempo de vida às empresas, e, nisso, acabamos nos relacionando diariamente com toda sorte de pessoas. Ou seja, teoricamente, pelo quantitativo de horas vividas e pelas possibilidades de relacionamentos internos, além da necessidade de trabalho cooperativo entre todos para um resultado comum e positivo — no caso, a manutenção do negócio (e dos empregos) — as empresas seriam, por si só, um mundo mágico e empolgante de aventuras diárias com nossos bravos, destemidos e fiéis companheiros. Só que não é bem assim..

O volume de tempo, das interações e a premissa de todos na empresa remarem na mesma direção, nos remete a uma ideia de facilidade de novos vínculos, na pior das hipóteses, numa possibilidade maior para que isto aconteça.

O que, como diria a Morte para o jovem Timothy Hunter: teria tanto a ver como o frango pro suflê.

Todo esse quantitativo, tecnicamente, não significa uma maior qualidade nas possíveis relações afetivas criadas dentro das empresas. Solidão tem a ver com a ausência afetiva, como descrito no artigo da Mental. Você pode estar rodeado por uma multidão (ou numa empresa) ou ser casado há 20 anos, e ainda assm estar só devido a esta lacuna.

Nas empresas, a priori, desenvolvemos relações profissionais com colegas de trabalho, chefes, subordinados baseadas na cooperação, baseadas no respeito interno e no compartilhamento do trabalho a ser feito para que os objetivos do negócio sejam alcançados. E aí que tá: relações profissionais possuem cacife o suficiente para dar um “sai pra lá solidão” da vida das pessoas?

Na real: tendo a achar que não.

Claro, teremos gente que adora estar na empresa (caso não seja por escapismo, ok?), outros que de fato acreditam ser uma segunda casa, uma grande família, com direito aos mesmos laços. O esperado é desenvolvermos alianças, afinidades, parcerias, elos para apoio e compartilhamento. Mas isso é normal em qualquer meio de convivência ‘forçada’, não uma exclusividade do mundo corporativo. E, apesar de temas pessoais alheios à empresa possam vir à tona nos almoços e conversas mais reservadas, por padrão, a linha guia das relações corporativas gira em torno das vivências do trabalho.

E aqui está o ponto chave desta questão. Apesar da pressão social (e pessoal) em definir nossa identidade pelo trabalho, nós, seres humanos, somos mais do que isso. Nossas emoções, sentimentos, expectativas e sonhos, habitam outras esferas da nossa vida além da bateção de ponto e nos acompanham 24h por dia. Isso de deixar os “problemas do lado de fora” não faz sentido, apesar do tanto que é normalizado levar o trabalho para dentro de casa…

Vivemos tempos conturbados (se alguma vez foi diferente) em que muita coisa, sobre nós, a vida social e o mundo esta sendo revisto, questionado ou emergindo. Mudanças sociais, econômicas, geracionias, tecnológicas, todas juntas e shallow now estão deixando todo mundo meio lé-lé da cuca.

Criar vínculos emocionais, de uma forma geral, não é lá uma moleza, requer esforço e estamos muito cansados. Relacionar-se num nível não trivial demanda tempo e atenção. Tudo o que nos falta neste tempos pós-modernos. A gente torce o nariz quando nos perguntam ao telefone: “posso ligar rapidinho?” ao invés do uso de uma mensagem curta e direta!!! A criação de novos laços relacionais, e seu estreitamento, capazes de dar uma segurada no sentimento de solidão, competem hoje com o streaming, o game, o desenvolvimento profissional, projetos desengavetados, hobbies, tempo com o pet e tudo o mais que nos gere dopamina ou elenquemos como prioridade pessoal.

Fatores macro desse mundão também contribuem para esta epidemia da solidão: crises econômicas e incertezas no futuro, aumento do custo de vida, ritmo produtivo desenfreado, o medo da violência. Tudo isso acaba contribuindo para que acabemos investindo nosso tempo e atenção a pouquíssimos círculos de convívio que consideramos importantes. E, de boa, empresas e suas conexões profissionais, não me parecem ser a primeira opção de vínculo afetivo especial capaz de conter o sentimento de solidão.

Empresas são uma uma construção temporária, uma tecnologia artificial humana, não natural. Não estamos ali porque queremos, mas por sermos obrigados pela nossa sobrevivência. Estamos sempre preparados para mais uma batalha diária contra os moinhos de vento da vida, logo, de armas em punho e tentando não baixar a guarda emocional. A correria do dia a dia dos negócios, as cobranças, competições de todos os tipos, volume de demandas, as relações e conflitos de poder, a ambição profissional e particulares de cada funcionário, tudo isso, no fim, nos torna uma matilha de um lobo só, faz com que deixemos nossas personas de frente e o pé sempre atrás com tudo.

Então, se o coleguismo é, de praxe, o tipo de afeição generalizada nas relações profissionais, penso não ser o suficiente pra amenizar a solidão, mesmo que esta se referi-se somente a assuntos e condições de trabalho (somos seres holísticos, lembra-se) penso não ter a profundidade afetiva o suficiente para sanar a solidão pelos corredores e lágrimas nos banheiros.

Veja, o mundo corporativo é um recorte do mundo externo, com todas as suas mazelas de brinde. Se temos uma crise mundial, uma epidemia de solidão afetando a todos externamente, o que nos faz pensar que o ecossitema das empresas, cheio de minas e discrepâncias entre a prática e o discurso, das estatísticas e estudos atuais apontando o acentuamento de vários tipos de problemas relacionados a qualidade de vida do trabalhador naquelas bandas, seria uma redoma de traquilidade, segurança e laços emocionais profundos além do correr atrás da meta?

Na minha visão, esta conta não fecha. E mais, a grande preocupação em relação a isto, na prática, diz respeito a PRODUTIVIDADE do funcionário. Faça uma busca sobre o tema e verás que após o contexto dado, os textos vão em seguida ao que de fato interessa: o quanto a solidão impacta na capacidade laboral do funcionário. O próprio estudo do Gallup, referenciado no início do post, crava que uma forma de combater esta perda de produtividade é buscando engajar o trabalhador cada vez mais.

Mas, veja só você que sinuca de bico. O próprio referido estudo diz que, em 2023, o percentual mundial de trabalhadores engajados, que sentem-se envolvidos e entusiasmados com o seu trabalho, bateu incríveis míseros 23%!!!

Que peleja, hein?

Ainda assim, algumas ações e processos internos podem ajudar as empresas a lidar com o problema da produti…, digo, da solidão dos seus colaboradores. Um compilado do site RHpravocê.com.br resume bem, em alguns tópicos, sugestões de consultores e especialistas na área para a solucionática desta problemática:

  • check-ups periódicos de suas próprias relações e interações, tanto quantitativa quanto qualitativamente.
  • oferecer suporte e os gerentes deveriam ser capacitados para conduzir conversas de qualidade com suas equipes.
  • Reduzir distâncias, desenvolver sensibilidade aos primeiros sinais de afastamento e agir prontamente com intervenções direcionadas.
  • Promover a qualidade das relações e fortalecer e expandir as redes empresariais.
  • Construir e fortalecer o senso de pertencimento e um ambiente seguro
  • Fomentar uma cultura de interconexão e troca entre as pessoas; colaboração em vez de competição.
  • Promover competências fundamentais para quem gerencia pessoas: inteligência emocional, empatia, escuta ativa e habilidade para conduzir conversas valiosas com suas equipes.

Sim, concordo com tudo. Mas se até nas empresas de ponta, estado da arte do Erreagá, mobilizar pessoal, tempo, recursos e patrocínio interno de cima para lidar com esta questão tá complicado, imagine aqueles dois camaradas do RH da sua empresa que na verdade não passam de um DP?

Num contexto epidêmico de solidão, não acho que, de uma forma em geral, as empresas, como sempre preocupadas e ocupadas em obter resultados a curto prazo devido as cobranças vindas de todas as direções, vão despender recursos humanos, financeiros e materiais para mapear e lhe dar com a solidão interna.

Cai na vala dos “problemas pessoais” de cada um, similares a tantos outros de cunho emocional vivenciados nas trincheiras diárias. Se nem o primo rico e mais famoso que deixa todo mundo com o “sistema nervoso”, o burnoutinho, tem a relevância necessária paa ações mais contundentes, quiçá essa novidade de solidão que chegou agora e já quer sentar na janela.

Então, não espere grandes movimentações internas a respeito disso. Talvez um post com uma arte premium do Canvas no Dia do Amigo.

E olhe lá.

*Trocadilho com a banda carioca Hojerizah, que lançou um album atemporal de pós-punk nos anos 80. Trecho da música “Tempestade em Viena” – “Por que temer viver só, já que morremos sozinhos”.

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