VISITAS COMERCIAIS

Existem muitas situações de tensão que ocorrem diariamente no ambiete corporativo. Uma delas sempre se destaca: as negociações entre clientes e fornecedores. E a temperatura sobe ainda mais quando a cena é protagonizada por um fornecedor desesperado e um cliente cruel. Este foi o cenário encontrado por Leo, executivo da Monkey S/A, em sua busca por um grande contrato com uma gigantesca empresa Asiática. Abaixo um trecho do capítulo VI do livro Monkey S/A: num mundo corporativo tão tão distante.

Respirou, ponderou a situação e escolheu a estratégia do direto ao ponto. Começou exibindo o ROI positivo obtido pela empresa do cliente em todos esses anos de parceria.

Foi o que ouviu como resposta. Seguiu para o próximo passo e comparou as funcionalidades de seu software com as de seu adversário em busca da polpuda conta.

Com o suor escorrendo pela testa, mostrou um compilado de depoimentos de grandes clientes da Monkey S/A.

A situação era crítica. Fork sinalizava com as mãos, por trás dos clientes, não saber mais o que o executivo ainda poderia argumentar. Leo então partiu para a estratégia final muitas vezes usada pelos melhores vendedores de softwares do mundo em momentos como este: inventar funcionalidades e soluções impossíveis, inexistentes ou disponíveis apenas em prazos irreais, mas capazes de atender a necessidade como se tivessem sido criadas para solucionar a dor específica daquele cliente.

O vendedor listou uma série de incríveis e fictícias features que estariam em fase final de testes e que seriam disponibilizadas de forma exclusiva e personalizada para eles. As aplicações seriam concluídas já nas próximas semanas, assegurou. Ao ouvir a proposta, o contratante se levantou. — Sr. Leo, agradeço a parceria em todos esses anos, mas optamos pelo outro fornecedor. Meu secretário mostrará a saída.  O O cliente abotoou o terno e rumou para a saída, seguido pelos demais executivos cujos risos de canto da boca evidenciavam o divertimento entregue. 

De cabeça baixa, recolhendo seu material na mesa, o rapaz tentava digerir o seu fracasso. A pressão dos pensamentos resultou num resmungo baixinho entre os dentes: — Queriam o quê?! Que os devs colocassem vídeos de dancinhas?! Me poupem!

Praticamente já fora da sala, o cliente retornou e disse: 

— Vocês conseguiriam isto?

— Hã, o que, não entendi, desculpe, inserir uma funcionalidade de dancinhas no sistema??? — respondeu o executivo espantado ao cliente que confirmou a solicitação.

Com a sabedoria dos desesperados, Leo tratou puxar ainda mais a linha do novelo para a aflição completa de seu assistente: — Claro, temos esse recurso no planejamento futuro, mas posso priorizar seu desenvolvimento. Mas, se me permitem, vocês são uma empresa de base, transformação, criam e
vendem maquinário pesado de produção para a indústria, não consigo ver o retorno disso.

— E nem é necessário — respondeu seu interlocutor com a secura padrão. Mas, sua frieza foi picada pelo inseto da vaidade e seguiu explanando o curioso e genial motivo do pedido fruto de sua própria autoria:

— Estamos expandindo nossos mercados, vamos crescer explorando outros nichos, iniciando pelo público infantil feminino. Temos que entender os hábitos e o perfil desses clientes.

Apenas os grilos nesse momento se pronunciavam. E ele continuou:

— Precisamos retirar essa visão cinza-chumbo de nossos produtos e mostrar que podem ser para todo mundo. Queremos torná-los mais pops, como disse nosso consultor (que recebeu 50 milhões para chegar a essa conclusão). Nosso primeiro produto será o soldador industrial de alta pressão do qual desenvolvemos uma versão portátil. Aproveitaremos essa onda de revivals da cena pop, de consumo retrô e financiaremos um remake daquele filme oitentista da pobre menina soldadora que sonha em se tornar bailarina. Investiremos na produção de uma versão atualizada, com danças e músicas típicas desses aplicativos de vídeo para as adolescentes. Inclusive já fechamos parcerias com escolas e grupos de dança do país inteiro, e teremos combos de collants para dança vendidos em conjunto com pastas de solda de cores diversas, ampliando e diversificando nossos PDVs.

Maravilhado consigo mesmo, o cliente detalhou a ideia:

— O filme se chamará Flame Little Dancing e será onde faremos o merchandising do produto, mostrando que, além de uma ferramenta de aprendizado profissionalizante, nosso soldador portátil industrial para as adolescentes poderá ser usado na defesa contra assédio sexual, como terapia ocupacional de artesanato em aço fundido, passando pela sustentabilidade do planeta graças aos 662 graus atingidos pelo equipamento e que são necessários para reciclar alumínio. Mostraremos ainda sua versatilidade em caso de uma hecatombe zumbi. Por isso precisamos do desenvolvimento da inserção dos vídeos de dancinhas no software de vocês. O marketing já informou que nossos vendedores terão que aprender essas modernas coreografias para interagirem com as jovens, não é isso, secretário?

— Sim, Senhor! Fizemos um levantamento de todas as dancinhas, suas visualizações e engajamento, e nossos melhores cérebros em P&D estão desenvolvendo os movimentos virais perfeitas com esses dados. Nossos vendedores terão alguma dificuldade inicialmente devido ao sedentarismo e idade, mas estão acostumados com essa prática graças às gincanas motivacionais constrangedoras organizadas todo mês por nossos lúdicos supervisores. Existia um receio devido aos tremores corporais causados pela alta cobrança por resultados de quem atua no setor, mas como o senhor nos ensinou, transformaremos limões em limonadas, e vamos utilizar desta condição física involuntária para incrementarmos nossas coreografias — respondeu empolgado o secretário.

— Excelente. Então, Sr. Leo, em quanto tempo poderemos contar com essa atualização no software? — Inquiriu o cliente.

— Um mês — disse o rapaz de pronto.

— Está bem, o contrato é de vocês.

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