“…Jeff Bezos aparecer vestindo um colete Patagônia no dia 13 de Julho de 2017 foi suficiente para transformar o acessório no colete a prova de balas daqueles que querem parecer ricos. Por usar uma camisa com um cavalinho bordado e o mesmo coletinho que o dono da Amazon, o empregado comum, de uma empresa qualquer, assume a certeza de que está mais próximo socialmente do bilionário do que de um trabalhador informal que dirige uma moto entregando pizza em Jundiaí. Mesmo que 5 mil reais por mês garanta inúmeros avanços em termos de qualidade de vida, essa pessoa tem mais chance acabar dirigindo um Uber ou fazendo bico de serviços gerais, do que de estacionar seu Iate ao lado da embarcação do Bill Gates em Mônaco”
O trecho acima faz parte do artigo/post do Startup Real intitulado a “Classe média é um jogo de autoestima” publicado no Médium. É um dos textos que mais gosto do “Star” e servirá de base para o exposto ladeira abaixo. O livro dele pode ser encontrado aqui.
Concordo com tudo que foi exposto no artigo original mas o que me levou a dar estes meus dois centavos a mais na história foi o gráfico do Google Trends, da data referida, que mostrava o salto de interesse de procura pelo colete, coisa que até então, antes da bendita foto, não existia com tamanha volúpia. E, se hoje o traje esportivo da Patagônia, marca de roupas e acessórios para a prática de esportes ao ar livre, faz parte da indumentária de um certo grupo corporativo (e fará também daqueles que almejam integrá-lo futuramente) o velho Bezos tem sua parcela de responsabilidade.
Assim como fazem os grupos de adolescentes ao verem o artista da vez produzido meticulosamente pela indústria cultural e que, passam a consumir trajes, acessórios, linguagem e personalidade, desse ídolo que vai durar alguns meses, os mesmos bruxões do business também agem da mesma forma. Não existe diferença estrutural deste fenômeno entre o carinha das finanças que correu pra comprar a mesma jaqueta do Mcfly ao vê-la vestida pelo bilionário e um jovem garoto juvenil que deseja se vestir igual para remar no mesmo estilo do rapper Drake, por exemplo.
Tem a influência, mas o que move suas engrenagens é outro dinâmica.
O tal Comportamento de Manada.
Segundo Nietzsche, o termo comportamento de manada descreve situações em que indivíduos em grupo reagem todos da mesma forma, embora não exista direção planejada. No site PsicanáliseClinica.com encontrei algumas causas para esse movimento.
- a primeira é a garantia de se sentir seguro e aceito por parte da liderança e dos membros;
- a segunda é o impedimento de riscos ou punições por agir ou pensar de forma diferente, assegurando a preservação da imagem;
- uma terceira causa é entender que seja preciso seguir o líder ou a maioria por haver alguma lógica por trás daquele comportamento;
- já a quarta, é a percepção de que agir ou pensar daquele modo gera algum benefício, seja material ou afetivo.
Eu consigo visualizar daqui o camarada que pagou 1/3 do salário para se sentindo parte do clubinho seleto e identificado pela peça da Patagônia. Do sentimento pueril em se sentir mais próximo de “Jeff” ao compartilharem o mesmo gosto pelo traje. Do quanto tal veste automaticamente o posiciona socialmente no mundo corporativo a um grupo restrito e especial, assim como muitos outros símbolos caros de representação de poder, como relógios, carros e restaurantes.
Esqueça conhecimentos técnicos, formação especializada, classe econômica ou experiência de vida e profissional. Indiferente a isso, nós humanos, somos regidos muito fortemente pelo lado emocional, e as mecânicas sociais de interação e relacionamentos exercem sua força sobre nós como ondas nos grãos de areia na praia.
Símbolos. O que move o mundo e a nossa sociedade. Dentre eles, os de classe e poder possuem uma lugarzinho especial e aconchegante nesse sistema produtivo em que se tem que vender mais a todo momento, para qual, a ideia de concorrência e comparação é o combustível quase que ilimitado. Sem símbolos fica impratícavel distinguir quem compõem ou não a manada.
Usar X significa ser Y. Se quero ser como Y, preciso de X. E assim segue a massa de executivos e fãs do Restart. Como no comercial da Xuxa:
“Eu tenho. Você não tem. Eu tenho, você não tem”.
“Eu sou, você não é”.
“Eu quero ser, nunca serei, mas isso me faz parecer que sou“.
No mundo corporativo e na sociedade do espetáculo você é a sua imagem. Ainda que criada em doze vezes usando dois cartões de crédito e com alguns boletos do carro atrasados.
A discussão aqui pode emburacar para altas discussões sobre psicologia das massas, economia comportamental, viéses, moda, entre tantos outros tópicos de estudos avançados sobre o comportamento social humano e que não caberiam num simples post. Mas, seguindo o Manifesto da Monkey S/A que aponta o mundo empresarial como um microcosmo do mundo externo, com todas as suas mazelas, os modismos cíclicos que servem de farol ao trote das ilimitadas manadas são sempre presentes no meio corporativo, indo bem além do vestuário.
De Reengenharias a Second Life estampadas em capas de livros, revistas, seminários, cursos e convenções. Soluções ou ideias vendidas, ou tomadas por (nós seres humanos somos mestres nisso) elixires mágicos para a solução de todos o problemas ou venerados com verdadeiros ídolos de ouro (também somos ótimos nisso).
Um exemplo. Idos ali do começo dos anos 90 (Sim, Gandalf, eu estava lá!), um livro chamado O Monge e o Executivo, de James Hunter, causou um frisson enlouquecedor nos erreagás da nação. Ele se baseava na ideia central do líder como um servidor de seus subordinados. Sabe aqueles zilhões de posts sobre a diferença entre o que é ser líder e ser chefe? Pois então, a obra segue nessa linha. O livro ganhou o mundo e sistemas estelares. Era líder servidor pra lá, líder servidor pra cá. Seminário, curso, palestra do autor no país, treinamento, empresas comprando toneladas do livro pra distribuir entre os funcionários.
“Pra onde todos estão indo? Ler o Monge e o Executivo e se tornar um líder servidor. Ah é? Então não posso ficar de fora!”
Não quero fazer juízo sobre a obra/conteúdo (apesar de fazer) aqui e nem considerar a máquina que é a indústria bilionária de produtos educacionais corporativos para evidenciar ainda mais um puro sangue lucrativo como foi o livro, coisa que ainda deve ser. Mas, com o tempo, a onda foi baixando, a temperatura ao redor da novidade esfriando. O conceito e a obra ainda estão aí, ficarão aí possivelmente até o próximo meteoro como uma referência, porém, sem o mesmo interesse ativo, digamos assim. Uma pesquisa no Google Trends nestes dois termos ajudam a fortalecer minha teoria.
Google Trends: O Monge e o Executivo:
Google Trends: Líder Servidor:
Comportamento de manada vai continuar existindo enquanto nós, seres humanos, perambularmos pela face da terra. Como espécie, estamos programados a sermos sensíveis a ele. O problema é que, em temmpos de tecnologias de comunicação avançadas, redes sociais e disputa cada vez mais acirrada pelas narrativas, faz-se necessário estarmos ainda mais atentos e críticos a tudo que chega a nossos ouvidos para evitarmos de atolar ou despencarmos do precipício ao seguir o bando errado. Inclusive no trabalho…