Em algum momento da vida corporativa, isto se, não diariamente, passaremos pela situação vivida por Richard. Alguns em maior e outros em menor escala, porém, uma coisa é certa: não há escapatória.
Ouvindo o extinto Cine Paradiso, na extinta Rádio Paradiso, o finado José Wilker dava sua resenha sobre o filme Pequena Miss Sunshine. Após uma explanação sobre a produção, Wilker se derrete em amores pela obra. Obviamente que fiquei super interessado. É o tipo de história que gosto, atores que amo, Steve Carell, Tony Colete. Vi e o filme correspondeu a todas as minhas expectativas. Recebeu quatro indicações ao Oscar e levou duas: Melhor Roteiro Original para Arndt e Melhor Ator Coadjuvante para Arkino. De quebra, me fez conhecer uma das minhas bandas preferidas, o Devotchka, responsável pela música tema, “The Winner is“. Se você teve o sacrilégio de não ter visto o filme, pare a leitura aqui e vá vê-lo enquanto ainda há perdão para isto e depois volte para continuarmos.
O camarada aí de cima é o Richard, pai da pequena Olive, a protagonista de Pequena Miss Sunshine. Richard é um coach motivacional medíocre, que além de destilar seus mindesets stonks sobre sua família, também tenta conquistar o seu lugar ao sol na coachosfera americana, um mercado pujante antes mesmo dessa onda chegar por aqui, apostando todas as suas fichas e futuro numa parceria “infalível”.
Claro que dá muito errado (eu escrevi que era para ver o filme antes). As expectativas de Richard, seus sonhos e esperanças são todos quebrados e você se compadece ao longo de toda a cena. Isso acontece devido a imediata identificação com a situação que, como dito, se você ainda não viveu é porque não trabalhou o suficiente:
a frustração profissional.
O dicionário Aurélio define frustração como o “estado de um indivíduo quando impedido por outrem ou por si mesmo de atingir a satisfação de uma exigência pulsional“. Mas a correta definição academicista talvez não exprima de forma completa esta sensação amarga posterior a um fracasso. Existem diversos tipos de frustrações que lidamos ao longo da vida e as profissionais estão sempre ali, encabeçando a lista das piores, quiçá pau a pau com os desencantos amorosos, principalmente nos dias de hoje em que o trabalho cada vez mais se configura como parte de quem somos socialmente.
Mas, de certa forma, a frustração sempre traz o benefício do aprendizado, do auto conhecimento e da importância de desenvolvermos nossa resiliência e flexibilidade.
Tá certo, valeu, irmão, obrigado, mas segura só um pouquinho esse papinho gratiluz. Frustrações no meio corporativo são desagradáveis como chuva fina de vento na cara num dia frio. Não entregar um resultado, perder a promoção, nadar e morrer na praia, não ser aprovado, trabalhar, fazer tudo mais do que certo e as coisas não acontecerem, é osso. E estas hecatombes, assim como os vinhos, possuem notas (aprendi com a Andrea Ferreira) especiais que ampliam o seu dissabor.
A primeira é que as frustrações quase nunca se restringem a nosso único e exclusivo conhecimento. Exatamente pelo destaque e caráter social do trabalho, nossos tropeços acabam por resvalar e impactar, de alguma forma, em nossos familiares, pessoas próximas ou entre os diversos círculos e grupos de colegas, e não tão colegas assim, de labuta. O que pode ampliar o sentimento dramático de fim do mundo da derrocada em questão devido a exposição, por menor que seja.
Já a segunda característica esta relacionada aos olhares acusatórios institucionais e a doce ilusão de que não foi, de toda sorte, responsabilidade nossa, ao nos frustrarmos quando não conseguimos chegar lá. Afinal, são tantas as variáveis envolvidas que estão além de nossas habilidades ou expertises, e que podem ocasionar que falhemos: verba, equipe, erros de superiores, falhas técnicas, falta de suporte ou patrocínio, tempo ou recursos insuficientes. Isso acalanta, mas tem a eficácia de um sedativo de curta duração pois, na lógica corporativa, não passam de desculpas. Gestão não é esforço, é resultado. A ressaca emocional posterior só piora quando a ficha cai de que, independente da condições favoráveis ou não, a responsabilidade era sua. No fim, lembrarão somente se você entregou ou não entregou o acordado.
E não se engane, se você cerra fileiras entre os introvertidos corporativos, é bem possível que o impacto emocional das frustrações vividas neste ambiente seja bem maior. De uma forma geral, vivemos em nossas e redomas produtivas e quando a coisa explode, também somos apenas nós para recolher os caquinhos.
Voltando ao filme Pequena Miss Sunshine, na época em que o assisti pela primeira vez, lembro-me de ter sido (mais um) um soco no estômago. Passava por uma fase muito similar a do personagem e, de certa forma, me ver refletido ali foi sofrível. Não me refiro ao conteúdo de coach e postura de Richard, mas, do mesmo tipo de atitude, investimento e risco em se jogar num sonho pessoal sem a mínima segurança. E, assim como no longa, óbvio que deu tudo muito errado.
Aliás, o filme é uma sequência de desventuras desgracentas acabando com os nervos dos integrantes da família, mas de uma forma sensível e tocante, nos presenteando com um final maravilhoso que mostra o que de fato vale na vida. Pequena Miss Sunshine foi uma das criações artísticas que mudou muita coisa, ajudou a reorientar a minha rota. Afinal, não é pra isso que serve a arte?
Ok, floquinho de positividade, a razão é toda sua. Querendo ou não, decepções fazem parte da vida. E não querer se frustrar no meio corporativo é uma grande piada, pois são palavras até certo ponto, indissociáveis, alguns diriam redundantes, até. O mínimo de inteligência emocional é esperado para lidarmos com elas. É assim pra todo mundo e a regra do levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima segue firme e forte nestes casos.
Qualquer coisa, tá valendo o curso abaixo do Richard pra te dar aquele sopro quente de vitalidade.