TERCEIRIZADOS é o oitavo capítulo do Monkey S/A: Num Mundo Corporativo Tão Tão Distante é o meu primeiro livro de humor e fantasia corporativa. Nele, abordo o tema da precarização, preconceito e certo desdém corporativo em relação aos trabalhadores terceirizados, em especial aos que atuam alocados dentro das organizações contratantes.
Na história, os trabalhadores terceirizados se encontram no meio de um fogo cruzado entre duas executivas em conflito interno, evidenciando ainda mais o tratamento desigual dispensado a esta classe de “colaboradores”. Abaixo, o início do capítulo:
“Ao Executivo ou Executiva: Esta não é uma história de superação típica dos best-sellers nos quais você se inspira ou busca conforto frente às inevitáveis mazelas diárias do expediente.
Não, aviso de imediato ser o avesso dessas utopias. Se tens a carne fraca e o coração amolecido, recomendo não prosseguir adiante, e, se o fizer, que a responsabilidade recaia sobre sua única e exclusiva conta de costumeiras escolhas equivocadas.
O jogo corporativo é perigoso. Quanto maior o nível e o prêmio da competição, mais traiçoeiro e impiedoso ele é. Duas lições que uma divisão de negócios inteira aprendeu da pior maneira. Os anos de experiência e prática no tema me conferem a autoridade e indiferença necessárias para discorrer sobre tal história que começara anos atrás.
O negócio citado em questão era a Neo Construct, startup pertencente ao segmento imobiliário da Monkey S/A. Aclamada no mercado, seu negócio era a construção de modernas possibilidades habitacionais integradas a novos estilos de vida.
Não menos badalada que a empresa, era quem estava à frente dela: a diretora Cassandra Meyer, uma executiva de meia-idade reconhecida pelos seus pares por sua capacidade de mobilização de times e realização de resultados. Cabelos curtos platinados, corpo alto e esguio que invariavelmente desfilava alguma blusa listrada. Cassandra ingressou muito jovem e fez uma brilhante carreira na Monkey S/A. Sua firmeza e perfeccionismo lhe garantiram a transferência e a direção da Neo, onde seu nome e feitos ganharam eco dentro e fora do daquele nicho de mercado. De voz firme e rouca, devido aos inúmeros cigarros diários, a executiva vinha conseguindo resultados expressivos ano após ano.emplares nos últimos anos.
No entanto, para ela, isso não era o bastante.
Cassandra era uma executiva perspicaz e que sabia fazer um certo tipo de leitura interna em grandes corporações mundiais das quais poucos são capazes: a intrincada relação centro X periferia. Em muitas dessas gigantes multinacionais existe um relacionamento muito similar aos que existiram entre as metrópoles e suas colônias no século XIX.
As unidades centralizadas, que são as sedes, donas do principal capital intelectual e econômico da corporação, exercem não apenas a função dos comandos e desmandos sobre as demais, mas também, uma espécie de superioridade e influência de comportamentos, status e autoimagem em relação aos funcionários das operações hierarquicamente abaixo, as filiais, periféricas. E esta a engrenagem de soft power institucional se estendia, do macro, em cascata, de unidade a unidade, até o seu micro, de colaborador a colaborador, estabilizando, enfim, naquilo que seria o término de sua espiral: o funcionário terceirizado.
Ressalto que, de fato, compreender certas nuances como esta quando se é jovem e deslumbrado pelo canto corporativo é um feito digno de nota. Trata-se de uma expertise geralmente destinada a nós, velhos chacais e que desabrocha quando a astúcia e o poder interno acumulado ao longo dos anos substituem os flácidos músculos e arroubos coléricos como meio de controle e dominação…”